Creatina
Paulo Gentil
23/12/2000
A creatina é um peptídeo composto pelos aminoácidos Glicina,
Arginina e Metionina, podendo ser sintetizada pelo corpo através destes
componentes ou ser obtida através da ingestão, principalmente de carnes
vermelhas e peixes em quantidades de aproximadamente 5 g/Kg destes
alimentos. Após a absorção, a creatina pode ser armazenada nos músculos
em forma de fosfato de creatina ou como creatina livre.
A creatina e a fosfocreatina participam de uma reação reversível de
fornecimento de energia ajudando a regenerar o tri-fosfato de adenosina
(ATP) nas reações em que ocorre sua rápida degradação e se exige rápida
ressíntese, como corridas curtas (sprints) e séries pesadas de
musculação. Como a diminuição das quantidades de ATP, causada pela
dificuldade em manter uma relação viável entre ADP/ATP, tem sido aceita
como uma das causas da fadiga em situações de esforço máximo e
sub-máximo de curta duração, supõe-se que a creatina possa ajudar na
perfomance de tais atividades.
Existem suposições de que a descoberta da creatina como recurso
ergogênico tenha ocorrido na Rússia quando nadadores ingeriam sua urina,
recolhida logo após despertar. Parece que os atletas obtiveram
resultados positivos realizando esta "suplementação" antes do treino e
decidiu-se investigar uma maneira mais higiênica de usá-la.
Alguns estudos sobre creatina
A creatina é provavelmente o suplemento alimentar mais pesquisado e
conhecido da história, existem milhares de experimentos comprovando seus
efeitos positivos sem que sejam verificados efeitos colaterais,
portanto serão citados apenas alguns. Apesar de tentativas
incompreensivelmente infantis e suspeitas de relacionar este peptídeo
com o câncer nenhum deles foi levado a sério pela comunidade científica,
na verdade existem alguns estudos sugerindo um efeito da creatina no
combate ao câncer (JEONG et al, 2000; KRISTENSEN et al, 1999;
SCHIFFENBAUER et al, 1996; ARA et al, 1998 e MILLER et al, 1993). Talvez
a base disso esteja em uma suposição de que cozinhar alimentos contendo
creatina produza mutagênicos deste peptídeo que se comprovaram
carcinogênicos em alguns animais.
Apesar de estudos, como o de MUJICA et al (1996), questionarem a
eficácia da creatina, há várias pesquisas comprovando o contrário
(KAMBER et al, 1999, KREIDER, 1998; MIHIC et al, 2000; VOLEK, 1996),
sendo, considerado um dos suplementos mais eficientes e seguros da
atualidade.
A dose usada na maioria dos estudos, e que tem se mostrado eficiente
no aumento da reserva total de Creatina e de Fosfato de Creatina, varia
geralmente em torno de 15 a 25 gramas por dia (KAMBER, 1999; KREIDER,
1998; HULTMAN, 1996). Esta suplementação tem resultado, a curto e longo
prazo, em aumento da força e velocidade.
KAMBER (1999) encontrou melhora na performance em indivíduos
realizando 10 minutos de treino intervalado em uma bicicleta, alternando
6 segundos de sprint com 20 de velocidade moderada, interessante
ressaltar que as melhoras foram maiores nos sprints finais do treino. Os
resultados revelaram também menor concentração de lactato e um
significativo aumento no peso. KREIDER et al (1998) encontraram
resultados parecidos utilizando o mesmo protocolo de exercício
intervalado e acrescentando testes no supino e agachamento.
É interessante ressaltar que diversos autores relataram a ausência de
efeitos tóxicos no fígado, rins e sangue (PAÚS e col., 1998, KREIDER,
1998; KAMBER et al, 1999, MIHIC et al, 2000), contrariando a suposição
de que a suplementação de creatina poderia levar a sobrecarga de tais
órgãos devido ao possível aumento da densidade sangüínea, causada pela
retenção hídrica intramuscular originada pela passagem de água do sangue
para o músculo acompanhando a entrada de
creatina.
O aumento da quantidade de água no espaço intracelular realmente foi
verificado por ZIEGENFUSS et al (1998), nesta pesquisa os autores
verificaram a origem do ganho agudo de peso com a suplementação de
creatina. O resultado do experimento (0,35 g de CM por Kg de Massa
Corporal Magra): aumento, em média, de 2% no volume total de água no
corpo, de 3% no volume intracelular de água, e nenhuma alteração
significativa no volume extracelular, isto em três dias. Nesta pesquisa o
aumento da quantidade de creatina no músculo foi, em média, de 30%.
Porém não se deve esquecer a teoria de que ao se encher a célula,
pode ocorrer uma dilatação do tecido conjuntivo (bag stretching), o que
proporciona mais facilidade para o crescimento da fibra muscular
(HÄUSSINGER, 1990 E 1993; MILLWARD, 1995). Outra teoria que pode agradar
os defensores da creatina seria embasada no fato haver uma relação
constante entre o tamanho da fibra e sua quantidade de núcleos.
Melhor maneira de ingerir
Ainda há dúvidas de como ocorre o transporte de Creatina para o meio
intracelular e se este mecanismo pode ser afetado pelo uso contínuo
deste peptídeo. O artigo de GUERRERO-ONTIVEROS (1998), esclareceu alguns
pontos ao introduzir a proteína transportadora denominada Crea-T,
responsável pela absorção celular da creatina. Neste artigo o autor se
refere ao mecanismo de feedback negativo causado pela ingestão crônica
de creatina em ratos, o que pode levar a diminuição de sua absorção.
Fato também verificado por BOEHM et al (2003) que verificaram que a
saturação de creatina leva a queda de mais 1/3 da quantidade de CreaT
presente na membrana.
Supõe-se que a absorção de creatina seja otimizada pela ingestão de
carboidratos, para verificar esta hipótese GREEN et al (1996) realizaram
um estudo com amostra de 24 homens que se submetiam aos testes
(biópsias nos músculos, amostras de sangue e urina) antes e depois da
ingestão de 5 gramas de creatina (grupo A) ou 5 gramas de creatina
seguidas por 93 gramas de carboidratos (grupo B); as ingestões eram
feitas 4 vezes por dia, durante 5 dias. Em ambos os grupos houve aumento
de fosfocreatina, creatina livre e quantidade total de creatina, porém
no grupo B a quantidade total de creatina foi 60% maior que no grupo A.
No grupo B houve também diminuição da quantidade de creatina excretada
pela urina. A creatina ingerida sem o carboidrato, não causou alterações
nos níveis de insulina ao contrário da ingestão com carboidratos, o que
sugeriu uma mediação deste hormônio no processo de absorção de
creatina, estimulando os transportadores Crea-T de maneira similar a que
acontece com o
GLUT-4.
Conclusões
A suplementação de creatina pode aumentar a performance em exercícios
de alta intensidade e curta duração assim como em exercícios
intervalados de intensidade elevada. a menos concentração de lactato nos
grupos que ingeriram creatina pode ser causada pelo aumento do tempo em
que é possível trabalhar utilizando-se a via metabólica anaeróbia
alática. Esta capacidade também pode melhorar a performance por ajudar
na recuperação entre os estímulos.
Traduzindo para os praticantes de musculação: a creatina pode
aumentar sua massa magra pela inevitável retenção hídrica, que acontece
com o aumento da concentração deste peptídeo no espaço intracelular,
porém este efeito é em grande parte transitório.
Uma vez que o uso de creatina não interfere na síntese protéica
(LOUIS et al, 2003), a atuação da creatina também parece ser indireta,
até porque sua capacidade de treino aumentaria, até mesmo por fatores
psicológicos, o que induziria adaptações mais positivas. Porém a
creatina parece favorecer principalmente as fibras rápidas
(glicolíticas, ou tipo II) como sugere CASEY (1996), sendo assim pessoas
com predominâncias destas fibras e/ou que treinam mais intensamente
teriam os melhores resultados.
Como não se comprovou a ocorrência de efeitos colaterais (exceto o
aumento ponderal e retenção hídrica que pode prejudicar alguns atletas) e
diversas pesquisas comprovaram sua eficiência, a creatina pode ser
usada por atletas com o objetivo de melhorar a performance em atividades
físicas intensas como a musculação. Vale ressaltar que uma medida
essencial a ser tomada pelos usuários de creatina é uma ingestão de água
maior que a normal, para evitar que possa ocorrer sobrecarga nos rins,
principalmente.
Referências bibliográficas
ARA G, GRAVELIN LM, KADDURAH-DAOUK R, TEICHER BA Antitumor activity
of creatine analogs produced by alterations in pancreatic hormones and
glucose metabolism. In Vivo 1998 Mar-Apr;12(2):223-31
BOEHM E, CHAN S, MONFARED M, WALLIMANN T, CLARKE K, AND NEUBAUER S.
Creatine transporter activity and content in the rat heart supplemented
by and depleted of creatine. Am J Physiol Endocrinol Metab 284:
E399-E406, 2003
GRAHAM, A. S; HATTOM, S. C. Creatine a Review of Effcacy and Safety.
Journal of the American Phamaceutical Association, 36(6), 1999.
GREEN A.L., E. SIMPSON, J. LITTLEWOOD, I. Macdonald, and P. GREENHAFF.
Carbohydrate ingestion augments creatine retention during creatine
feedings in humans. Acta Physiol Scand 1996;158:195-202
GREENHAFF, P.L. Creatine and Its Application as Ergegenic Aid. Int. Jour. Of Sport Nut. 5 S., 100-109, 1995.
GUERRERO-ONTIVEROS, M.L. et. Al. Creatine Suplementation in health and
disease. Effects of chronic creatine ingestion in vivo: Down-regulation
of the expression of creatine transporter isoforms in skeletal muscle.
Mol. And Cell. Biochem. 184: 427-437, 1998.
HÄUSSINGER, D et al., "Cell Swelling Inhibits Proteolysis in Perfused Rat Liver," Biochem. J. 272.1 (1990) : 239-242.
HÄUSSINGER, D; et al., "Cellular Hydration State: An Important
Determinant of Protein Catabolism in Health and Disease," Lancet
341.8856 (1993) : 1330-1332.
HULTMAN E; SÖDERLUND K; TIMMONS JA; CEDERBLAD G; GREENHAFF PL Muscle
creatine loading in men. J Appl Physiol, 1996 Jul, 81:1, 232-7
JEONG KS, PARK SJ, LEE CS, KIM TW, KIM SH, RYU SY, WILLIAMS BH, VEECH
RL, LEE YS. Effects of cyclocreatine in rat hepatocarcinogenesis model.
Anticancer Res 2000 May-Jun;20(3A):1627-33
KAMBER, M, et al. Creatine supplementation - part 1: performance,
clinical chemistry and muscle volume. Medicine & Science in Sports
& Exercice, December, 1999.
KREIDER, R.B. Creatine supplementation: Analysis of ergogenic value, medical safety, and concerns. JEPonline Vol. 1, No. 1, 1998
KRISTENSEN CA, ASKENASY N, JAIN RK, KORETSKY AP. Creatine and
cyclocreatine treatment of human colon adenocarcinoma xenografts: 31P
and 1H magnetic resonance spectroscopic studies. Br J Cancer 1999
Jan;79(2):278-85
LOUIS M, POORTMANS JR, FRANCAUX M, HULTMAN E, BERRÉ J, BOISSEAU N, YOUNG
VR, SMITH K, MEIER-AUGENSTEIN W, BABRAJ JA, WADDELL T, & RENNIE MJ.
Creatine supplementation has no effect on human muscle protein turnover
at rest in the postabsorptive or fed states. Am J Physiol Endocrinol
Metab 284: E764-E770, 2003. First published December 10, 2002
McARDLE, W.D et al. Fisiologia do Exercício: Nutrição, Atividade física e Performance. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991
MIHIC S; MACDONALD JR; MCKENZIE S; TARNOPOLSKY MA. Acute creatine
loading increases fat-free mass, but does not affect blood pressure,
plasma creatinine, or CK activity in men and women. Med Sci Sports
Exerc, 2000 Feb, 32:2, 291-6
MILLER EE, EVANS AE, COHN M. Inhibition of rate of tumor growth by
creatine and cyclocreatine.Proc Natl Acad Sci U S A 1993 Apr
15;90(8):3304-8
MILLWARD, D.J., "A Protein-Stat Mechanism for Regulation of Growth and
Maintenance of the Lean Body Mass," Nutr. Res. Rev. 8 (1995) : 93-120.
MOJICA, I e col. Creatine Suplementation does not improve sprint
performance in competitive swimmers. Medicine and Science in Sports
& Exercice, November, 1996.
MOSS, F.P.; "The Relationship Between the Dimension of the Fibers and
the Number of Nuclei During Normal Growth of Skeletal Muscle in the
Domestic Fowl," Am. J. Anat. 122 (1968) :
PAÚS, V.et al. Administracion de Creatina Monohidrato en co suplemento
energético en Jogadores de Futból Professional. Ass. de Traum. Del
Desporte, 9, 1998.
POORTMANS, J.R. at. Al. Long-term oral creatine supplementation does not
impair renal function in healthy athletes. Medicine & Science in
Sport & Exercise, 1108-1110, 1999.
SCHIFFENBAUER YS, MEIR G, COHN M, NEEMAN M. Cyclocreatine transport and
cytotoxicity in rat glioma and human ovarian carcinoma cells: 31P-NMR
spectroscopy. Am J Physiol 1996 Jan;270(1 Pt 1):C160-9
STONE, M.H. et. al. Effects of in-season (5 weeks) Creatine and Pyruvate
Supplementation on Anaerobic Performance and Body Composition in
American Football Players. Int. Journal of Sport. Nut. 9, 146-165,
1999.
URBANSKI, R.L. et. Al. Creatine Supplementation Differentially Affects
Maximal Isometric Strength and Time to Fatigue in Large and Small Muscle
Groups. Int. Journal of Sport Nut. 9, 136-145, 1999.
VANDEBUERIE F; e col. Effect of creatine loading on endurance capacity
and sprint power in cyclists. Int J Sports Med, 1998 Oct, 19:7, 490-5
VANDENBERGHE K; GORIS M; VAN HECKE P; VAN LEEMPUTTE M; VANGERVEN L;
HESPEL P Long-term creatine intake is beneficial to muscle performance
during resistance training. J Appl Physiol, 1997 Dec, 83:6, 2055-63
VOLEK, J.S. et. Al. Performance and muscle fiber adaptations to creatine
supplementation and heavy resistance training. Med. & Scie. In
Sport & Exerc. 1147-1156, 1999.
VOLEK, J.S., KRAMER W.J. Creatine supplementation: It's effects on human
muscular performance and body composition, Jounal of Strenght and
Condition Research, 1996
WYSS, M. et. Al. I-4 Creatine metabolism and the consequences of
creatine depletion in muscle. Mol. And Cellu. Biochem. 133/134:51-66,
1994
ZIEGENFUSS, T. N., LOWERY L. M., & LEMON, P. W.R.. Acute fluid
volume changes in men during three days of creatine supplementation.
JEPonlineVol 1 No 3 1998.